Prezado investidor,
Finalmente o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha acatou o principal den-tre as duas dezenas de Pedidos de Impeachment (PI) que se acumulavam em suas gavetas. O PI acatado foi elaborado por juristas renomados e é considerado uma peça jurídica de boa qualidade técnica. Ele se ampara em três blocos principais de Crimes de Responsabilidade que foram cometidos pela presidente Dilma Rousseff ao longo de seus dois mandatos presidenciais.
No primeiro bloco estão as ditas "pedaladas fiscais" e a ocultação de passivos do governo. Fo-ram apresentados ao Congresso Nacional e à so-ciedade números que não retratavam a realidade financeira das contas públicas, principalmente du-rante o período eleitoral, no que pode ser qualifica-do o maior estelionato eleitoral de que se tem notí-cia no Brasil. Sim, não foram apenas as usuais promessas não cumpridas durante a campanha eleitoral, hábito relativamente comum por aqui, mas precisamente ações em sentido oposto ao que se propunha durante a campanha.
O segundo bloco se refere aos empréstimos concedidos através de decretos pela presidente e que necessariamente deveriam ter passado pelo Congresso Nacional, mas não foram.
Por fim, a operação Lava-Jato tem revelado novos fatos do maior esquema de corrupção que se tem notícia na história, o Petrolão. A presidente Dilma deixou de responsabilizar os suspeitos pela pilhagem continuada ao caixa da Petrobras e pro-tegeu figuras que se beneficiaram deste esquema que, entre outras coisas, financiou parte de suas duas campanhas à presidência. Neste último pon-to, vale ainda considerar que o TSE também abriu processo contra as contas de campanha da presi-dente à luz dos indícios de fraudes, destacadamen-te na contratação, por R$ 24 milhões, da empresa Focal Confecção e Comunicação Visual.
Temos então novas possibilidades se abrindo. Estimamos que esse Processo de Impe-achment possa ser longo, de até seis meses, salvo uma improvável renúncia ou a revelação de novos fatos no âmbito da Operação Lava-Jato e que po-deriam acelerar as adesões dos deputados indeci-sos ao Impeachment. No caso de 2/3 de apoio ao Impeachment na Câmara dos Deputados, a presi-dente é imediatamente afastada de suas funções e o vice-presidente assume interinamente. O proces-so segue então ao Senado que tem até 180 dias para aprovar ou não o Impeachment. Ultrapassado esse prazo, a presidente poderia voltar às suas funções até que finalmente os senadores decidam.
O PT começou com toda a sua artilharia e se propõe a defender o mandato da presidente até o final. Na votação para a escolha da Comissão Especial, que aprovará ou não o encaminhamento de PI ao plenário, o Governo já sofreu seu primeiro e importante revés tendo sido derrotado pela chapa alternativa, onde predominam deputados mais fa-voráveis ao Impeachment. Enquanto escrevo esta carta, o processo está suspenso por uma liminar concedida pelo STF, pelo prazo de uma semana, até que esta corte defina qual será o rito definitivo a ser seguido pelos congressistas. Apertem os cintos, pois o vôo será turbulento.
Já o processo que segue no TSE e que acreditamos tenha um desfecho em alguns meses, pode, em última instância, afastar a chapa Dil-ma/Temer e daí o presidente da Câmara dos De-putados, Eduardo Cunha, assumiria a presidência e convocaria novas eleições em até 90 dias. Existe também a possibilidade de que o vice comprove que sua campanha e a da presidente tinham con-tas separadas. Nesse caso, comprovando-se que as contas do Temer estejam corretas, ele assumi-ria ou permaneceria no poder, caso Dilma seja afastada antes. Em algumas situações, a decisão final do TSE pode se estender por um período mais elástico, a depender das pressões políticas.
Por fim, há ainda o cenário onde a popula-ção desejosa do afastamento da presidente, con-forme indicam as recentes pesquisas, não se mani-feste de forma suficiente e contundente nas ruas. Nesse caso, os deputados podem se retrair de forma que não se atinja os dois terços necessários para levar o processo de Impeachment adiante. Dilma seguiria ainda mais enfraquecida e sem condições de governar. Teríamos que esperar no-vos escândalos e fatos que acabem de vez com esse longo martírio. Se isso ocorrer depois de 2016, haverá eleições indiretas para presidente no Congresso e o eleito ficará até dezembro de 2018. Até o momento, as instituições têm se mostrado bastante sólidas e funcionando de forma relativa-mente independente, ainda que sob fortíssima pressão.
Apesar deste clima turbulento, o desempe-nho dos mercados era relativamente bom até que o mercado acordou, no final do mês, com a notícia das prisões do banqueiro André Esteves, CEO do maior banco de investimentos da América Latina, o BTG, e do líder do governo no Senado, senador Delcídio do Amaral. Foram presos, acusados de tentar comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex diretor da Petrobrás, em sua delação premiada.
Se por um lado esses fatos vão ao sentido de abreviar o sofrido mandato da presidente, por outro, trouxeram, principalmente por parte dos in-vestidores estrangeiros, o pânico quanto a um risco sistêmico nos mercados. As ações do banco BTG perderam mais da metade de seu valor, apesar das fortes recompras pela tesouraria do banco e da rápida venda de ativos, além do anuncio da troca de CEO. Não vemos risco de crise sistêmica por conta deste evento. Apesar de relevante, o banco BTG é relativamente pequeno em termos de crédi-to em âmbito nacional.
Resumindo, vida dura para os acionistas do banco BTG, mas o sistema financeiro nacional é robusto e bastante concentrado em 5 instituições fortes. Já a prisão do senador, caso inédito em nossa história, foi uma pá de cal na última tentativa da presidente de tentar governar. Ela conseguiu o ineditismo de desperdiçar um ano inteiro e trazer o país para uma depressão econômica e inflação alta.
Apesar do cenário turvo, adicionamos mais risco ao nosso portfólio entendendo que a cada dia parece mais próximo a solução deste impasse político que impede qualquer tentativa de governabilidade e, consequentemente, aprofunda a crise eco-nômica. Não precisamos dizer que o motivo de nosso movimento em direção a mais beta se deve majoritariamente a percepção de que os preços de diversos ativos se encontram de tal forma depreciados, assumindo a premissa de que o país está se desviando do caminho de “venezuelização”, que os retornos serão mais do que compensadores. Também acreditamos que assim que o PI ultrapassar esta primeira e mais complexa etapa, os investidores começarão a voltar aos poucos. Nessa hora esperamos forte recuperação de preços de ativos, ainda que o ano de 2016 seja bastante desafiador, tanto sob a ótica da inflação, próxima do teto de 6,5% quanto do crescimento econômico, que sem novas desacelerações já indicará uma queda superior a 2% do PIB.
Atenciosamente,
André Gordon
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