Prezado investidor,
Nesta carta mensal quero falar menos sobre fundamentos específicos das empresas e trazer novamente questões relativas à piora na percepção de risco por parte dos investidores. Risco aqui se refere tanto aos fatores externos, quanto aos domésticos.
Em relação aos fatores externos o destaque do mês foi o atraso nos pagamentos de dívida pela Grécia. Os credores não aceitaram as tentativas por parte dos gregos de protelar pagamentos sem fazer os ajustes adicionais. Os gregos não querem ter novas reduções em seus benefícios e tampouco aceitam pagar mais impostos. Diversos grupos seguem isentos de tributação por motivos absolutamente ridículos. Ainda não conhecemos o final desta história, mas o feriado bancário prolongado na Grécia provoca nos investidores de mercados emergentes as piores lembranças possíveis.
Em relação aos fundamentos domésticos, diversos setores seguem apresentando piora considerável de produção. Foram fechados mais postos de trabalho e o Governo Dilma segue com novos recordes em diversos indicadores. Infelizmente recordes negativos. Por outro lado, os comentários do BC foram bastante convincentes de que a busca pelo centro da meta de inflação não encontrará descanso. As margens em torno da meta de inflação foram reduzidas de 2% para 1,5%, para o ano de 2017. Foi uma maneira inteligente e menos custosa de sinalizar este esforço. As expectativas de inflação para 2016 começaram a ceder um pouco e caminham na direção do centro da meta. Este encontro será absolutamente relevante para coroar o esforço monetário do BC após atrasos e tropeços na condução deste ajuste.
O Real manteve-se relativamente estável em função do elevado retorno dos títulos brasileiros – carry trade. A Balança comercial e também as transações correntes também passaram a apresentar números melhores e que refletem a combinação de menor demanda doméstica por produtos importados. Um câmbio bem comportado contribui para evitar pressões adicionais sobre as expectativas de inflação.
Essa combinação de um quadro recessivo, com inflação corrente elevada, somados aos escândalos diários de corrupção envolvendo integrantes de seu partido e de seu governo, se refletiu na queda de popularidade da presidente. Mais de dois terços dos brasileiros considera seu governo ruim ou péssimo e apenas 9% consideram-no bom ou ótimo. Estes números são equivalentes àqueles obtidos pelo então presidente Fernando Collor, às vésperas de sua renúncia, para escapar do processo de Impeachment. E novamente destaco o quadro político. Nunca antes no Brasil houve um governo tão fraco. E aqui não me refiro à oposição, que tem se mostrado bastante frouxa. Refiro-me principalmente aos partidos que compõe a base. O PMDB, partido do vice-presidente, e que comanda as duas casas do Congresso Nacional, tem dado as regras do jogo e na pratica estamos vivendo uma espécie de parlamentarismo. E o partido da presidente, o PT, tem sido o maior crítico das medidas de ajuste promovidas pelo ministro Joaquim Levy. Não faltaram críticas nem do ex-presidente Lula. O fogo amigo tem sido um grande problema interno do governo.
Em paralelo o TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou por unanimidade a reprovação das contas da presidente Dilma, que ganhou um prazo de 30 dias para tentar justificar as suas “pedaladas fiscais”. Caso não consiga essa proeza, de explicar o inexplicável, o TCU confirmará a rejeição das contas da presidente e a Câmara dos Deputados poderá iniciar a votação para acatar ou não esta orientação do TCU. Em caso positivo, deverá concluir que houve “Crime de Responsabilidade”, o que levaria à abertura de um processo de Impeachment. Em seguida o Senado teria que confirmar esta decisão.
Esse processo é longo e complexo e depende, antes de tudo, de articulação política entre o PMDB e demais partidos. Sem um belo arranjo político, apesar do apoio da opinião pública, dificilmente haverá uma maioria qualificada nas duas casas que o aprove. Aparentemente este processo seria muito menos traumático do que o processo de Impeachment oriundo de Crimes de Responsabilidade por corrupção na Petrobrás envolvendo a então presidente do Conselho da empresa, Dilma Roussef e ainda menos traumático do que a cassação da candidatura da Dilma por crimes eleitorais.
Temos poucas dúvidas de que qualquer um dos três cenários é absolutamente legítimo e repleto de provas condenatórias contundentes, algumas das quais apresentadas ao longo da operação Lava-Jato. As instituições no país são fortes e tudo se dá dentro de um ambiente institucional robusto e estável. Infelizmente onde encontramos grande carência é no conjunto de valores morais mínimos de nossos representantes. Por muito menos do que temos assistido por aqui, em países como Japão, EUA, Israel ou Alemanha os envolvidos já estariam presos ou cometeriam o suicídio.
Como o final desta história é ainda bastante incerto, há reflexos na avaliação dos ativos. Alguns temem o caos que pode se instalar ao longo deste período, outros temem a saída de Joaquim Levy, outros acreditam que poderia haver radicalização das posições acentuando a atual crise. Nós acreditamos que o fim do governo PT será extremamente positivo. Seria um divisor de águas. Seria um sinal para o próximo governante de que há que se respeitar as regras do jogo e a Constituição Federal. Seria um recado dos brasileiros de que não queremos o caminho da “venezualização” de nossa economia.
Neste interim, percebemos que ativos de menor liquidez têm sofrido de forma acentuada. Quando o horizonte de investimentos é curto ou curtíssimo, como no atual momento, poucos se aventuram a investir em empresas de menor liquidez. Há uma espécie de tendência a seguir índices e investir nos “winners”. Não temos nada contra investir nas melhores empresas de cada setor, mas tudo tem um preço e ainda mais, um preço relativo. Acreditar que a continua deterioração dos fundamentos macroeconômicos afetará as lojas da Riachuelo, mas preservará os números excelentes das Lojas Renner nos parece fantasioso. Comprar ativos com crescimento baixo pagando-se 25 ou 30 vezes seu lucro estimado nos parece fora de propósito quando encontramos taxa de juros em torno de 14% ao ano e taxas reais de juros de longo prazo em torno de 6%, em títulos soberanos. Classes diferentes de ações, ou empresas ou holdings e subsidiárias operacionais com descontos que chegam a quase 50% também nos parece mais uma boa oportunidade para aqueles que têm apetite e “estômago” para o longo prazo.
E em quase doze anos de gestão nunca estivemos com uma exposição bruta tão elevada, ainda que a exposição líquida do fundo esteja próxima dos menores níveis que costumamos trabalhar. E neste mês de junho algumas das posições em que estamos vendidas seguiram se apreciando enquanto seus pares tiveram fortes quedas. Esperamos ainda a permanência destas distorções até que o ambiente de investimentos se mostre um pouco mais benigno para horizontes mais longos.
Atenciosamente,
André Gordon
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