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A bolha da inteligência artificial estourou? A bolsa brasileira agradece

Foto do escritor: André GordonAndré Gordon

O maior distanciamento entre os mercados brasileiro e americano em 16 anos ajuda a entender por que o Brasil foi solitariamente favorecido pelo efeito-DeepSeek.

 

 Por

  Beatriz Pacheco - Valor Investe — São Paulo 

 

  29/01/2025 06h30    Atualizado há 8 minutos   



A empresa chinesa DeepSeek, de inteligência artificial (IA), pode ser a agulha que faltava para o estouro da bolha de tecnologia da bolsa de Nova York. A companhia seria capaz de oferecer serviços de qualidade tão avançada quanto o das concorrentes americanas. Mas com um custo de produção muito inferior. E, assim sendo, a liderança isolada dos Estados Unidos nesse ramo está em xeque. Mais do que isso. Os recordes e recordes e recordes e recordes (e mais um pouquinho de recordes) acumulados no maior mercado acionário do mundo podem, puff, se desmanchar no ar.


Mas alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo. E, aqui no Brasil, investidores sorriam de orelha a orelha na última segunda-feira (26). Enquanto a DeepSeek aparecia nos calcanhares do Chat GPT, o índice Nasdaq abria a semana afundado em mais de 3% em Nova York. E conforme outros índices pelo mundo também desciam a ladeira, o Ibovespa, o principal do Brasil, disparava 2%.

Mas, na prática, qual é a relação entre o possível estouro da bolha nos Estados Unidos e a bolsa brasileira, um "deserto" em matéria de IA?

“O movimento que vimos na bolsa foi técnico. Existem muitos fundos vendidos [posições que apostam na desvalorização] no mercado do Brasil e comprados [posições que apostam na alta] lá nos Estados Unidos", explica Rodrigo Glatt, sócio da GTI Administração de Recursos. "Particularmente, entre os fundos multimercados. Com o tombo de 17% da Nvidia [fabricante de microchips destinados a IA] e as quedas das bolsas americanas, parte desses gestores pode estar se desfazendo dessas posições. O lucro realizado por lá foi usado para voltar a comprar ações no Brasil.” 

 

  • O fluxo de compra de bolsa brasileira a que Glatt se refere está ligado à busca dos investidores por cobrirem suas posições "vendidas". Para esse tipo de operação, o investidor precisa alugar o papel de outro que tenha esse ativo na carteira. Então, o primeiro investidor vende esses papéis alugados no mercado, esperando poder recomprá-los por um valor menor tempos depois.

  • Para desmontar essa operação, por sua vez, ele precisa fazer a compra e devolver os papéis para quem havia alugado. Ocorre que, se há uma mudança de tendência e, com ela, a chance de o ativo valorizar, aumentam os riscos de prejuízo para esse investidor - dado que ele pode ter que recomprar os papéis mais caros para devolvê-los ao dono original.

 

Quando muitos investidores vendidos se veem nesta situação, há pressão na ponta compradora, o que força ainda mais o papel para cima, gerando um efeito bola de neve. Daí, 83 das 87 ações atualmente listadas na carteira do Ibovespa subiram na segunda-feira.

 

 Mas a correção do começo desta semana tende a ser pontual.

  

O movimento de cobrir as posições vendidas na bolsa brasileira após o possível estouro da bolha da IA na Nasdaq deve a se acomodar após o primeiro baque. Investidores ainda estão tateando o cenário para investimentos nos Estados Unidos num mundo pós-DeepSeek. E o que esperam adiante pode não ser tão ruim quanto pareceu no primeiro momento.


  • Ou seja, ainda não está claro se, de fato, a bolha, que só se confirma a existência quando de fato estoura, veio a furo. Se vier, aí sim, a bolsa do Brasil pode de novo se favorecer.


Brasil e EUA em caminhos distintos

 

No último ano, fundos aumentaram a exposição às empresas de tecnologia americanas e elevaram as apostas na queda do Ibovespa. Por aqui, incertezas fiscais aumentam a aversão a riscos, tendo a Selic retomado o caminho de alta depois de abrir o ano em queda. Nos Estados Unidos, por outro lado, a revolução prometida pela IA servia de chamariz.

 

Nesse ambiente, os mercados de ações do Brasil e dos Estados Unidos seguiram caminhos opostos em 2024. Aqui, o Ibovespa amargou perdas de mais de 10%. Já as bolsas americanas colecionaram quase seis dezenas de recordes. 

 

“Os Estados Unidos conseguiram um feito histórico de atravessar um ciclo de elevação e juros altos sem provocar uma recessão. A bolsa americana continuou performando bem porque as taxas conseguiram resfriar a inflação, mas a economia não desacelerou”, avalia Felipe Moura, sócio e analista da Finacap Investimentos.  

 

 Tomando por base os índices MSCI Brazil, cesta de ações das 49 maiores empresas brasileiras na B3, e o S&P 500, com as 500 maiores empresas americanas, a diferença entre a queda do primeiro e a alta do segundo foi de 54,5 pontos percentuais no ano passado.

É a maior lacuna com os índices em sentidos contrários em 16 anos. Enquanto o MSCI Brazil recuou quase 30%, o S&P 500 avançou mais de 25% em 2024.

 *Os índices foram usados como referência no levantamento realizado por Marcelo D’Agosto, economista e colunista do Valor Investe, por serem ambos negociados em dólar.  

  

 Desde 2008, a bolsa do Brasil conseguiu superar o S&P 500 em seis anos: 2009, 2016, 2017, 2018, 2022 e 2023. Moura associa essas performances descorrelacionadas entre os índices à tese do ciclo da commodities apresentada pelo megainvestidor americano Jim Rogers em seu livro “Hot Commodities” (2004).

  

“O ciclo das commodities é inverso ao ciclo dos mercados desenvolvidos. Nos ciclos de valorização da bolsa americana, por exemplo, há estagnação das commodities e, por consequência, dos mercados emergentes [que são mais dependentes desse comércio]”, defende o sócio da Finacap.

  

 A chave para entender esse raciocínio está no levantamento de D’Agosto. O economista trabalha com a hipótese de as bolsas americanas serem mais dependentes de setores menos representados nos mercados emergentes.  

  

Nos últimos 22 anos, o setor de tecnologia da informação (TI) - que inclui seis das "Sete Ações Magníficas" dos Estados Unidos (Alphabet, Apple, Tesla, Meta, Microsoft e Nvidia) - foi o que mais contribuiu para a performance do S&P 500.

 

  • As empresas de TI representam quase 33% do índice com as maiores ações americanas e foram as que entregaram maior retorno anual desde 2002, em média de 13% ao ano.

  • Já as empresas de consumo discricionário (Amazon, a magnífica que não entra no setor de TI) aparecem como o quarto maior setor do S&P 500, com fatia de 10,4%.

  • Por fim, as companhias ligadas a commodities têm fatia de 1,7% do S&P 500, mas o retorno anualizado é inexpressivo individualmente, por isso é agrupado entre "outros".

No MSCI Brazil, a situação é inversa. As ações ligadas a commodities têm 33% de peso no índice, enquanto os setores de consumo discricionário e de TI representam menos de 1% cada na carteira.

 

E agora: voltar para a bolsa brasileira ou insistir na americana?

 

Para 2025, os especialistas seguem cautelosos em relação a ambas as bolsas. Embora não haja sinais de reversão da tendência de queda no curto prazo para a bolsa brasileira, dada a deterioração do cenário econômico e fiscal, o mercado deve se recuperar no longo prazo. Por essa lógica, faz sentido comprar, mas pensando em pagar mais barato por ganhos que viriam num horizonte distante. 

 

“Já para a bolsa americana, embora esperemos impactos positivos da menor regulação e da redução da tributação no novo governo, existem riscos associados ao aumento do déficit fiscal, às taxas de juros mais altas e à política de tarifas. Esses fatores limitam o potencial de alta no curto prazo e trazem incertezas para este início de ano. Assim, os investidores devem acompanhar de perto as decisões de Donald Trump para traçar cenários mais concretos para os próximos meses”, diz Bruna Sene, analista de renda variável da Rico. 

 

Sene explica que, do ponto de vista dos múltiplos, a bolsa americana continua “cara”, considerando que o indicador preço sobre lucro (P/L, que avalia a relação entre o preço do ativo em relação ao lucro que ele gera) está acima da média histórica. Já o múltiplo do Ibovespa permanece abaixo da média histórica, um indício de que a bolsa brasileira está relativamente barata.  

  

“No entanto, o cenário que se apresenta para o início deste ano é o mesmo que levou o Ibovespa a recuar mais de 10% em 2024: riscos fiscais, inflação pressionada e juros em ascensão”, acrescenta a analista da Rico.

 

  • Pausa para explicação rápida. Em tese, quanto maior o múltiplo, maior o tempo que você terá que esperar para ter de volta o valor que investiu na ação, tendo como referência a expectativa de distribuição dos resultados. Ou seja, uma ação ou conjunto delas cujo múltiplo é de 10 promete retorno equivalente ao investimento feito num horizonte de 10 anos. Por essa métrica, é um investimento mais "barato" do que algum que tenha um múltiplo de 20. Fim da explicação.


Para Moura, diante desse cenário, a tendência é que os ciclos das bolsas se invertam e, eventualmente, os mercados emergentes passem a performar melhor do que o americano.

Mas Sene pondera que, para que ocorra uma reversão da atual tendência de baixa do mercado acionário brasileiro, “seria importante haver uma descompressão dos riscos". Mais precisamente, o governo recuperar a confiança no que diz respeito à responsabilidade fiscal. E, a reboque, expectativas de inflação arrefecerem. Não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, de onde se espera hoje uma política econômica na direção de um custo de vida mais alto.

 

 Para ela, portanto, não há sinais concretos nessa direção, tampouco de que a lacuna entre as duas bolsas será fechada ou, ao menos, diminuída. “Portanto, a recomendação é que o investidor mantenha um tom mais cauteloso, realizando escolhas seletivas em ambos os mercados”, alerta a analista.

 

 A Rico recomenda uma alocação mais defensiva na bolsa brasileira em meio às incertezas sobre o ponto final da alta de juros no Brasil. “Significa incluir empresas com características sólidas, como balanços financeiros saudáveis, alta qualidade em seus negócios, menores níveis de endividamento, lucros positivos e uma comprovada capacidade de adaptação e resiliência em um cenário macroeconômico desafiador”, afirma Sene.

 

 Nos Estados Unidos, a orientação da casa é adotar uma abordagem com riscos menores, buscando ações de setores como financeiro, energia e small caps (empresas de menor capitalização), aliada à cautela com o segmento de tecnologia.


Confira a matéria na íntegra clicando aqui.

 


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